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O DIP Financing na Reforma da Lei n. 11.101/2005

O DIP Financing é o nome dado pelo mercado à ferramenta utilizada por parceiros ou investidores para proverem novos recursos a empresas que estejam passando por crise financeira passageira e superável, visando a manter sua operação e liquidez. A principal finalidade, portanto, é suprir a falta de caixa na empresa em crise para financiar despesas operacionais como pagamento de fornecedores, salários, despesas administrativas, incremento da produção, etc.

Esta modalidade de financiamento foi criada nos Estados Unidos e se consolidou como fonte fundamental de entrada no caixa da recuperanda, do tão necessário new money, sendo apontado pela doutrina como elemento indispensável para o sucesso de um processo de insolvência,[1] pois na grande maioria dos casos, a mera suspensão do pagamento das dívidas anteriores ao pedido não é suficiente para que a devedora resolva sua crise financeira.

Em seu primeiro formato, o DIP Financing foi uma saída encontrada pelas Cortes norte-americanas para enfrentar a crise que acometeu as ferrovias nacionais no Século XIX. Desde então, o instituto passou por aprimoramentos na lei norte-americana e, atualmente, encontra-se amplamente regulado no Bankruptcy Code de 1978.

No que tange ao sistema jurídico brasileiro, a promulgação da Lei n. 11.101/2005, em 9 de fevereiro de 2005 (LFRE) constituiu importante modernização do direito falimentar até então vigente, datado de 1945 (Decreto-Lei n. 7661/1945). Entretanto, em que pese a LFRE tenha sido elaborada com base na legislação falimentar norte-americana, o legislador pátrio deixou de regular a tomada de financiamento extraconcursal por empresas que estejam em recuperação judicial de forma expressa, fazendo-se necessária a interpretação conjunta dos artigos 66, 67, 84, inciso V, e 27, inciso II, alínea c, e a atuação dos Tribunais no caso-a-caso.

Uma das deficiências da LFRE, por exemplo, é não prever a forma de repagamento do DIP Financing no caso de homologação do plano de recuperação judicial, mas apenas no caso de falência, nem a forma como o empréstimo será autorizado, se pela Assembleia de Credores ou apenas por decisão judicial.

Destarte, considerando-se que um dos maiores desafios de um sistema jurídico falimentar é proporcionar mecanismos eficientes para que as empresas em crise obtenham recursos financeiros necessários para a continuidade de suas atividades e que a LFRE não cumpre sua tarefa de promover o estímulo à concessão de empréstimos a empresas endividadas,[2] parece evidente que o aprimoramento da legislação brasileira nesse ponto é imperioso.

Esta pauta vem sendo discutida há tempos. Em 2016, o Professor Paulo Fernando Campos Salles de Toledo já destacava que “mecanismos devem ser criados para que realmente se incentive a concessão de crédito,” pois “a dificuldade das recuperandas para acesso ao crédito é de todos conhecida, e chega a impossibilitar a efetiva reorganização da empresa”, corroborando a assertiva de que as alternativas hoje previstas na Lei são insuficientes.[3]

É por esta razão que o Substitutivo ao Projeto de Lei n. 6.229 de 2005 (“Substitutivo”), que atualmente está aguardando votação na Câmara de Deputados, dedicou uma Seção inteira para regular a concessão de financiamento às empresas que estejam em recuperação judicial (Seção IV-A, artigos 69-A a 69-I), o que, por si só, já configura estrondoso avanço em relação ao sistema falimentar atual.

De acordo com o art. 69-A do Substitutivo[4], uma empresa em recuperação judicial poderá celebrar contratos de empréstimo para financiar suas atividades, as despesas de reestruturação ou de preservação dos ativos, podendo o valor ser emprestado por qualquer pessoa, inclusive credores sujeitos e não sujeitos à recuperação judicial, familiares, sócios e integrantes do grupo do devedor (art. 69-E).

Para tanto, a empresa devedora deverá realizar um pedido ao juízo da recuperação judicial, contendo (i) a descrição detalhada dos termos da proposta de empréstimo; (ii) a indicação dos financiadores; (iii) a descrição das garantias a serem concedidas; (iv) a indicação do processo competitivo a ser adotado no caso de eventual proposta concorrente; (v) a descrição dos benefícios do financiamento para a coletividade de credores; (vi) a minuta de edital de convocação de Assembleia Geral de Credores (AGC) para deliberar sobre a proposta de financiamento; e (vii) a análise da viabilidade financeira do empréstimo e dos elementos para proteção dos credores não sujeitos à recuperação judicial.

A decisão, porém, não fica sob o critério exclusivo do juiz falimentar, já que os credores que representem mais de 10% (dez por cento) do valor total do débito concursal podem impugnar o pedido do devedor e requerer a convocação de uma Assembleia Geral de Credores para autorizar a contratação do financiamento.

A referida assembleia deverá ocorrer em até 45 (quarenta e cinco) dias da apresentação da proposta pelo devedor e a deliberação sobre a proposta de financiamento será tomada pelo quórum estabelecido no art. 42, ou seja, a proposta deverá ser aprovada por mais da metade do valor total dos créditos presentes na referida Assembleia de Credores.

Assim, conforme se verifica, a obtenção de DIP Financing, de acordo com a redação atual do Substituto, depende de autorização judicial e anuência dos credores, seja em Assembleia Geral de Credores, seja por meio de demonstração de anuência prévia dos credores que representem mais da metade dos créditos concursais.

O art. 69-C prevê a possibilidade de o financiador adiantar ao devedor até 10% (dez por cento) do valor do financiamento indicado na proposta antes da realização da AGC, mediante prévia autorização judicial, valor este que deverá ser imediatamente devolvido pela empresa devedora caso a proposta de financiamento seja rejeitada posteriormente.

Vale destacar que, pelo texto do Substitutivo, essa possibilidade de adiantamento de valores não está vinculada a qualquer demonstração por parte do devedor de urgência na obtenção dos recursos ou perigo de dano irreparável à atividade empresária, o que pode vir a ser exigido no caso concreto.

O Substitutivo tampouco traz previsão acerca da forma de pagamento do empréstimo durante a recuperação judicial ou em caso de revisão da decisão judicial pelo Tribunal competente.

Já no caso de convolação da recuperação judicial em falência, o art. 69-D do Substitutivo prevê que o valor do DIP Financing efetivamente entregue ao devedor será considerado crédito extraconcursal e terá o financiador preferência de pagamento.

Percebe-se que a inclusão do DIP Financing de forma expressa na legislação falimentar brasileira busca trazer mais segurança jurídica ao investidor e aos credores, reconhecendo a necessidade de emprego de dinheiro novo para que a manutenção da atividade da empresa em crise seja possível.

Louvável nos parece a intenção de se reconhecer e dar tratamento ao DIP Financing na legislação brasileira. No entanto, o Brasil ainda tem muito a caminhar para chegar à sofisticação de outras legislações.

De fato, o Substitutivo não endereça problemas e questões comuns relacionados ao financiamento de empresas em recuperação judicial, como a compatibilização da prioridade do investidor com a expectativa de recebimento dos credores concursais, a eventual reforma da decisão que autoriza do DIP Financing pelo Tribunal, o controle do uso do valor mutuado para que ele seja realmente empregado no fomento da atividade empresária, dentre outros.

Ademais, o procedimento previsto no Substitutivo parece-nos um tanto burocrático, o que pode dificultar a obtenção do DIP Financing nos futuros processos de recuperação judicial no Brasil, questão, porém, que apenas poderá ser evidenciada caso o referido projeto de lei seja promulgado com a redação atual.

Nesse aspecto, o legislador pátrio poderia ter se aproveitado de previsões contidas nas legislações estrangeiras mais modernas de direito falimentar a fim de tornar o procedimento de concessão do DIP Financing mais ágil e mais seguro, como a lei chilena, promulgada em 2014, que possibilita a obtenção de empréstimos no valor equivalente a até 20% (vinte por cento) do passivo concursal, bem como a oneração de bens em garantia deste empréstimo até o limite de 20% (vinte por cento) do ativo contabilizado sem necessidade de qualquer autorização, tornando a efetiva tomada do financiamento algo mais prático e célere, como são as relações comerciais atuais e o cotidiano das empresas, estejam elas em crise ou não.

Da mesma forma, o Codice della Crisi di Impresa e dell'Insolvenza italiano, que entrará em vigor em agosto de 2020, possibilita que o juiz estabeleça, de início, um valor máximo para a obtenção do DIP Financing sem necessidade de autorização específica, deixando os interessados cientes dessa possibilidade desde o início do processo de insolvência.

Ainda, poderia ter sido prevista a impossibilidade de anulação do DIP Financing e da prioridade de recebimento do financiador de boa-fé, no caso de revisão ou modificação da autorização judicial pelo Tribunal competente, como no ordenamento norte-americano, o que traz uma enorme segurança ao financiador.

Vale destacar, ademais, que a atuação judicial poderá ser questionada no caso concreto, pois o texto do Substitutivo não vincula o adiantamento de valores do DIP Financing à demonstração de urgência na obtenção dos recursos por parte do devedor, nem possibilita que o juiz analise, ele próprio, a proposta de financiamento, o que poderá trazer à tona antigas discussões sobre a soberania da Assembleia de Credores e o papel do juiz de mero “chancelador” das decisões dos credores.

Apenas o tempo dirá se a atualização da legislação falimentar brasileira, caso o Substitutivo seja aprovado com a redação prevista no momento, será suficiente para incentivar a concessão do DIP Financing a empresas que estejam em recuperação judicial ou extrajudicial no Brasil, fator decisivo para o sucesso de grande parte dos processos de insolvência.

[1] LUCCA Newton de; DEZEM, Renata Mota Maciel. Dez Anos de Vigência da Lei n. 11.101/2005. Há Motivos para Comemorar? In: CEREZETTI, Sheila C. Neder; MAFFIOLETTI, Emanuelle Urbano (Coord.). Dez Anos da Lei n. 11.101/2005: estudos sobre a lei de recuperação de empresas e falência. São Paulo: Almedina, 2015. p. 98. [2] FELSBERG, Thomas Benes; CAMPANA FILHO, Paulo Fernando. Os Desafios do Financiamento das Empresas em Recuperação Judicial. In: MEDEIROS NETO, Elias Marques; SIMÃO FILHO, Adalberto (Coord.). Direito dos Negócios Aplicado. Vol. 1. São Paulo: Almedina, 2015, p. 273. [3] SALES DE TOLEDO, Paulo Fernando Campos. A necessária reforma da lei de recuperação de empresas. p.173. [4] Art. 69-A. Durante a recuperação judicial, o devedor poderá celebrar contratos de financiamento garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos seus ou de terceiros para financiar as suas atividades, as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos, observado o disposto nesta Seção

  • Artigo escrito em conjunto com Thomaz Luiz Sant'Ana, sócio responsável pela área de Insolvência e Contencioso Cível do PGLaw

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